segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Jonas

Antes de mais nada é preciso escrever.



  Mesmo jovem e estúpido Jonas sabia que era preciso escrever antes sequer de ajeitar a sua situação com o condomínio e com a Márcia. Ambas complicadas, ou por falta, ou por excesso.
Sentou-se no sofá, resignado com a vida, debruçado sobre as situações. Precisava de uma história, um caso, uma percepção aguçada de algum fato ordinário - os melhores - e assim se inserir no glorioso panteão de homens que, pelo menos uma vez na vida, conseguiram compor alguma coisa,não necessariamente significativa, mas gostosa e sincera. Na verdade, não precisa ser sincera, oras! Desde que seja gostosa,suculenta, como uma viagem de trem, como um pão de canela.
  Pensativo em seu sofá, Jonas dissecava as inutilidades de si. O nome bíblico que lhe caía tão bem, como se fosse apenas seu e do Verdadeiro Jonas, o original, da baleia. Pousou seu olhar sobre os joelhos,magros joelhos de homem urbano, sozinho, do tipo que nunca caminha em parques ou trabalha duramente. Joelhos de tristeza, meu deus,joelhos de inércia,duas colinas mortas. Os cabelos muito pretos,muito desalinhados,muito desnecessários.
  O abajur ao lado ilumina pouco, deixando as luzes da rua entrarem pela janela e serem soberanas em território que não lhes pertence. Abajur submisso, vencido, conquistado.
  Jonas se levanta e em alta voz mental diz que é preciso escrever antes de ajeitar a situação do condomínio e com a Márcia. Começar...uma ideia. Preciso de uma ideia, pois assim vazio não pode ser.  Assim sem nada ninguém pode ser. Para legitimar e justificar a minha miséria, preciso ser ao menos um escritor.
Mas não era.
Jonas precisava resolver o condomínio, a Márcia.
Se vocês vissem a Márcia, me entenderiam.

Jonas, de nome bíblico, de fardo leve, de cabelos pretos, de condomínio e de Márcia. O personagem perfeito para nada.

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