terça-feira, 5 de junho de 2018

Meu nome é M.

Meu nome é M.
Sou jovem para ser fatalista.
Mas velha o suficiente para ter os olhos com bolsas.

Passo meus dias em um escritório branco.
Desenhando palavras que não são minhas,
em um idioma estrangeiro.

Meu nome é M.
Me ensinaram tudo errado.
Eu ando torto.
Uso roupas sujas.
Tenho seios pontudos.
Meus dentes são desalinhados.

Meu nome é M.
Não tenho tios, não tenho pais,
não tenho uma boa qualidade de ar.
Minhas mãos tremem ao fazer coisas
de-li-ca
das.

Meu nome é M.
Tenho uma esperança tola
quando vejo as mulheres passando na rua
com seus vestidos, com seu cansaço,
com sua pele castanha
no trem vermelho.
Tenho a sutil sensação
de que ainda não entendi coisa alguma.

A dignidade ainda será revelada,
a alegria será descoberta,
a dança terá outra música,
se eu desvendar o rosto das mulheres
no trem vermelho.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Me Segura Que Eu Vou Ter Um Troço / ou Todos os dias eu mastigo um homem / ou ainda Odiava Papai




Todos os dias eu mastigo um homem
sinto gosto de carambola
de pão
de banha
e um azedume que sabe-se-lá de onde vem.

Mastigo entre os molares
entre os cisos arrancados
entre as gengivas velhas
emprestadas do futuro.

Mastigo esse homem com gosto de gelo
e de gelo me queimo as buchechas por dentro
com prazer.

Trituro seus ossinhos,
suas coisinhas
suas arminhas e suas brincadeiras
de guerra

LIbertê.Esquecitê.Amorrê



Você está  livre,meu amor.
Os antepassados não olham
por você
lá dos umbrais.
A tradição não protegerá
suas falhas
nem os retratos registrarão
suas carnes
                               [ branquinhas carnes de peixinho de tanque]

Não há sobrenome que sirva
de mapa para teu sanguinho.
Nem árvore que resgate
teus tantos eus-mortos.


Você está livre,meu amor.
Não há cuidado sobrenatural.
Não há zelo divino.
Não há papai,titiu,vovô.
Esses homens estão na lama
Esses pipis brocharam para sempre.

Você está livre,meu amor.
livre para existir
no esquecimento dos dias
dos afetos
das poeiras
dos ácaros que borbulham
riem
e somem.
Magníficos.





quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Culture

Aguardo ansiosamente a chegada do trem,
na estação tal, plataforma tal. 
No vagão inglês [wagon]
vem acomodada e tardia, 
a minha cultura. 

Como deve ser a danada?
Deve ser macho...
Deve usar smoking 
e ter os pés descalços.













quinta-feira, 11 de setembro de 2014

os sons do amor

Antes dos sons do amor,houveram os barulhos da simples existência.
Depois, os ouriços,as amendoeiras,as cores,os homens,os alces,as begônias,os bichos-de-pé, as
girafas, os mosquitos,as moscas, as lombrigas e a catarata, em uma grande assembléia que ocorreu entre pausa dos segundos, decidiram que a vida era bem mais do que fluir;mesmo sem saber com exatidão o que era de fato vida.
Se procriaram aos montes a fim de procurar em todos os cantos,no âmago das coisas, o som que move os milagres.
Descobriram.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

o Rei Acaso.

O acaso fez papai gostar da cachaça e mamãe gostar de café.
O acaso me fez nascer no Vale do Paraíba,na borda do rio.
O mesmo acaso que fez papai gostar de cachaça e mamãe gostar de café
que  me fez nascer na borda do rio,
fez deus espirrar
fez o mosquito picar justamente teu joelho
fez aviões caírem
fez os terremotos no Chile
fez os japoneses morarem no japão
fez o gato Teodoro fugir de casa.


punhado de noite

2:38, para o relógio da cozinha.
é um cobertor para o céu.
é escuro para as meninas.
é festa para as mariposas.
é a pálpebra do sol.
Como cabem coisas em um punhadinho só de noite