segunda-feira, 30 de setembro de 2013

A vida moderna,ou,ou.

Achei que o mar limparia minhas dores,
não limpou.
Achei que o trem acercaria os amores,
afastou.
Achei que o telefone incitaria as vozes,
calou.
Pensei que pensar seria liberdade,
aprisionou.

Que duro é errar tanto em previsões
e acertar tanto em espírito.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Presas.

Já nadou em uma represa? 
Em baixo dela há coisas que nem deveriam estar em baixo d'água. Tem casinhas submersas, bicicletas, pedras de coleção e caixas de madeira cheias de outros objetos,também de coleção.
Tem represa que nem peixe tem, e olha que peixe é muito coisa de água. 
Represa não é lago,nem lagoa,não é rio nem cachoeira. Represa é coisa de gente, e olha que gente nem  é coisa muito assim de água. 
Gente tem perna, tem pé e tem mão. 
Gente é coisa de terra, não é de água não. 
Mesmo assim, existem represas. São águas de um rio, que eram livres pelos vales, agora são presas,e re presas, e re presas.
Há muito já sei da aptidão dos homens para construir prisões, mas aprisionar rio...Taí o fascínio misturado com uma boa dose de tristeza.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Miroslav Tichý




Norah e os assassinos.

"segunda-feira é o dia dos assassinos."

Disse Norah para si, enquanto olhava para os sapatos no chão que aguardavam serem calçados, para então realizarem seu único e real propósito :  proteger os pés dos homens das coisas ruins que existem no chão.
Norah entendia bem a bondade dos sapatos, e queria que fossem capazes também de protege-la das segundas-feiras,talvez das terças e quartas também, caso estivessem hostis,nubladas e tristes. Salva de um surto londrino em plena São Paulo, ou pior anda, uma epidemia de Sibéria.
"O que temos nós para lutar contra as segundas-feiras além dos sapatos? E contra os assassinos?" Indagava. Os assassinos da segunda-feira andam de pés nus, são pacientes, e matam com armas imprevisíveis.
Matam com café, matam com jornal, matam com assento de ônibus que vai até o Mercado da Lapa, matam com as palavras-cruzadas preenchidas em salas de espera, matam, infalivelmente matam.
Os assassinos da segunda-feira são miúdos e existem aos montes.
Norah calçou os sapatos e,mais animada do que deveria, saiu para as ruas sem medo de ser morta.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

A miséria quando não separa, une.


Falando em trivialidades que matam, hoje vi um filme ambientado na Bósnia e Herzegovina. Ou simplesmente Bósnia, para os íntimos. Como acredito que pouquíssimas pessoas que conheço possuem alguma intimidade com a Bósnia, vale um curtíssimo resumo.
Bósnia é um país minúsculo do leste europeu,confuso e resultante da dissolução de outro país também confuso. Lá se falam as línguas bósnio, croata e sérvio. Neva,e muito. Se come dentre outras coisas, blakava ( uma espécie de doce) e burek ( tipo de pastel ).  A população é composta basicamente de muçulmanos eslavos, sérvios ortodoxos e croatas católicos.

Pois bem. O filme contava a triste história de um catador de sucatas e sua família cigana.
Poderia facilmente ser o Brasil em um inverno muito anormal.
Há um pouco de Bósnia e Herzegovina no país tropical.
Uma pena que seja uma parte ruim.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Estudos de composição

Andava. Porque toda história tem a tendência de começar com um verbo.
Andava apressada e triste. Seguido de alguns adjetivos. 
Andava apressada e triste, para algum lugar qualquer. Acabando com um pronome indefinido.

Eis ai a construção da vida. 

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Barbara e Michael






baiano,Eugênio Vieria

Brincando com gotas

Todos já devem saber da magia dos dias de chuva, falar disso é uma bobagem tremenda.
Falemos de outras coisas então... Talvez um livro.
Isso,um livro.
Mas acho que livros tudo tem a ver com dias de chuva.
Se falar de amorezinhos,flores, um desgraçado mal-educado, um ditador morto, uma criança triste, pêlos eriçados, lavanda cheirando, carinho em gato, café fraco demais, chá de ervas finas para pegar num sono, já que você não dorme mais. Já que ninguém nesta casa dorme mais.
A torneira velha que não se deixa consertar.
A lista de compras na geladeira:
1. cenoura
2. ovos
3. queijo minas ( ou não, tanto faz)
4. lápis de cor ( se tiver )
5. anti-séptico bucal.
O alguel embaixo da porta. A poeira embaixo da porta. A porta. A.
Tudo isso são dias de chuva.
Até os dias de sol são , ocultamente, dias de chuva.
Todos sabem a magia desses dias. Uma bobagem tremenda.

domingo, 15 de setembro de 2013

E segue,e segue, a ordem.

Domingo costumava ter pé de cachimbo, você se lembra?
Hoje nem sei se pé tem. Acho que se arrasta por aí, feito um caramujo.
Domingo, um molusco na semana.
Passa no tempo próprio,pois ninguém ensinou o domingo que ele deve ter pressa ou se acalmar.
Domingo, mais que trégua de semana, é trégua de ponteiro.
Vá entender.
Abençoados sejam os domingos e toda a sua bagunça no tempo-espaço da gente.
Precisamos mesmo fugir da ordem, e justamente da pior espécie de ordem :
a ordem dos dias.

sábado, 14 de setembro de 2013

O concreto que me desculpe.

Uma breve lista de coisas que não existem e não correm o menor risco de existir:
vasos de porcelana com alma
relógios que funcionam para sempre
colheres feitas de açúcar
haikais em cartilhas
frio em Cariri
dentes de fiat uno
ossos de aroeira
paz a vida inteira

Uma situação de prédio.

Da minha janela, três situações bem distintas:
Um prédio alto.
Um homem de blue jeans.
Uma quaresmera.
A paisagem da minha janela é síntese do mundo inteiro: A obra do homem, o homem em si, e a beleza de todas as outras coisas que são sozinhas.

Shoes.

De que vale um tênis amarelo em calçadas laranjas? Mais vale um sapato cinza, esses sapatos-cidade, que os senhores usam para andar até o carro, até a igreja, até outros sapatos de outros senhores.
Tudo é contexto.